sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Só depois de morto, aprendeu a viver

[Ao fim do mundo.]

Todos estavam lá. Na verdade, uns estavam sem estar. Outros, não só estavam mas fizeram de si o próprio momento. Entre o "Argh! Por que não acaba logo?" havia o "Como será a minha vida a partir de agora?" Eram muitas as diferenças tanto de pensamento, quanto de coração. Eram também muitas as indiferenças. Enquanto um chorava com tudo que sua alma podia, outro mandava mensagens pelo celular como se estivesse sentado no sofá de sua casa, como se nada tivesse acontecido. Por quê? Tanta indiferença, tanto desgosto. Tanto aperto, tanta lágrima. Tanto sorriso escondido, tanta falta de sentimento não sentido. Tanto sentimento não sentido. Tanto, tanto, tanto.
O morto não ria nem chorava, refletia. Agora, sabia ler pensamentos, atravessar paredes e corpos. Via quem eram realmente aquelas pessoas que julgava conhecer, observava cada um sem que este fosse observado. Cuidava de cada detalhe, de cada expressão calada, de cada grito surdo, de cada movimento não movido. Olhava tudo aquilo e ficava dividido: ser ou estar? Ser ou não estar? Estar ou não ser? Ou, ou, ou. Ou nada disso, pois ele era, em si, o tudo. Era o ser que não estava, o não estar que era, o estar que não era, o ser que era, o ser que seria, o que ser que se foi. Era uma era em que o era uma vez se foi. Nada chapeuzinho amarelos, vermelhos, azuis - deram para inventar mais cores. Nada de lobos. Nada de vovós. Nada de madrastas. Nada de princesas. Nada. O que, então? A transição, a travessia, o olhar para os lados enquanto se caminha numa estrada que nem mesmo sabemos o que é que se passa nela - nem o que passará. A travessia. O passo, é o que é. O caminhar ainda. Pra onde? Não sei. Quem sabe?
Morreu perto do fim do ano, e pensava "Mais um ano seria..." Mais um ano, apenas mais um... Será? Pensou na tristeza que sentia por não poder completar mais um ano de vida mas... O que mudaria? Seria diferente dos outros? A criatura, na verdade, entristecia não pelo ano que viria mas por todos que se foram. E simplesmente se foram. Foram qualquer coisa, menos vividos. Foram qualquer coisa, qualquer objeto que se compre, que se use, que se jogue fora. Foi a sua vida que nunca foi, a sua vida que sempre esperou que chegaria, que chegaria, que chegaria, mas nunca chegou. Pensou que era ela quem deveria encontrá-lo, e não ele. Esperou. Morreu sem se encontrarem nem mesmo entre uma multidão. Um dia, pensou ter visto o seu rosto de longe enquanto pegava o caminho de casa mas, não, era só sonho e acordou. E pior: acordava sem mudar nada porque nem mesmo lembrar dos seus sonhos ele lembrava. Perdeu tudo. Perdeu os sonhos. Perdeu o amor. Perdeu o sorriso. Perdeu o ser. Perdeu tudo antes mesmo de se perder, já estava perdido, mas não completamente. Agora, sim, estava completamente, pois o que mais um morto poderia fazer pela sua vida? Somente aquilo que fez durante toda a sua não-vida: nada. Assistiu sem enterro sem derramar uma lágrima, mas chorava, chorava, chorava. Chorava pelo o que não foi, chorava pelas lágrimas que deixou de chorar, pelos sorrisos que deixou de sorrir, pelos braços que deixou de abraçar. Chorava pelas palavras guardadas - agora, eternamente -, chorava pelo seu rosto que tanto ficou sem expressão. Chorava, chorava, chorava. 
Só depois de morto, aprendeu. Aprendeu a fazer o que deveria ter feito - sentir -, aprendeu a pensar como deveria ter pensado desde sempre, aprendeu a lembrar e não somente esquecer dos dias mortos a cada café-da-manhã, aprendeu a ver vida nos seus dias de morto mas somente enquanto não mais vivia. Só depois de morto, aprendeu a viver.

[E você?]

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